Tempestade
Era uma tarde de chuva. Não me lembro o mês
nem o ano. O dia também não importa. Importa saber que era de tarde. E chovia.
O céu escurecera tanto que parecia que a noite se antecipara. Sobre o telhado a
chuva caía furiosa. O vento parecia querer arrancar do chão as árvores que ali estavam
há mais de meio século. Os galhos se contorciam como bailarinas em um
espetáculo mal ensaiado. Rios de enxurrada escorriam onde há minutos apenas
existia poeira e pedras.
Para qualquer pessoa o cenário pareceria
assustador. Não para ela. Sozinha atrás das grandes janelas de vidro,
contemplava os raios que riscavam o céu com fúria. O estrondo dos trovões, que
faziam estremecer as paredes, era um complemento ao bater ensurdecedor do seu
coração. A violência da tempestade lá fora acalmava sua tempestade interior. E
restabelecia o equilíbrio no caos em que estavam seus sentimentos.
Sozinha contemplava os grossos pingos a
escorrer pela vidraça, e pensava o quão bom seria se pudesse chorar como a
tempestade. A natureza se purificava naquelas lágrimas de chuva, gritava com o
uivo do vento e o rugido dos trovões. Mas ela não sabia mais. Há tempos
desaprendera a chorar. Quando as lágrimas rolavam, sempre silenciosas, era como
fogo a queimar sua face cansada.
Um sorriso lento se forma em seu rosto, e ela
sente uma gota salgada a penetrar seus lábios. Pensa nos beijos há tempos
distantes, e nos amores há muito esquecidos. Abre a janela para as gotas de
chuva. A tempestade já está passando. Não há tormenta que sempre dure.
A tarde se torna morna e suave. O sol volta a
brilhar como se nada tivesse acontecido. No céu de novo azul, um arco-íris se
forma. Sempre haverá esperança para os corações partidos. E para as almas
solitárias.
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